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  • Victor Hugo Nicéas

As súplicas vazias de homens vazios, Victor Hugo Nicéas


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Saturno devorando seu filho, Peter Paul Rubens

Cada vez mais me conscientizo de que o mundo político se tornou um carro rebaixado. Sim, aquele carro com cores chamativas, com mais barulho do que velocidade e que não pode ver uma mísera lombada que tudo sai do eixo. E antes que alguém diga "não entendi a analogia", vou explicar: é um mundo de aparências e com poucas utilidades, um mundo que tem o potencial de cumprir sua função, mas se limita a fazer barulho e chamar atenção. Esse mundo político disforme no qual me refiro, poderia não ser chamado aqui de "mundo", mas sim de outra palavra que também começa com "m". Calma, a palavra é "militância". A militância é a consequência de um ser humano rebaixado, que veste roupas coloridas, usa toda a paleta de cor e não age por si mesmo, é mandado fazer isso ou aquilo em nome de um suposto bem maior, no qual só conhece a superficialidade de um discurso repetido, que ecoa pelo espaço do crânio como se fosse uma ideia ou uma opinião particular.


E isto beira o cômico, pois cada vez mais se cria um mito de que todos devem ter opinião sobre tudo, não importa se você quer ter, estuda ou trabalha com isso, o que vale é sempre dizer algo a respeito, como forma de não se sentir escanteado. Essa necessidade fez com que o ser humano se escorasse em qualquer discurso minimamente lógico que seja repetido constantemente aos seus ouvidos, tornando a todos meros peões que se veem rainhas do tabuleiro, o pináculo da própria evolução. Não seria mais digno dizer: não, não tenho opinião? É como disse Gerardo certa vez, impera a ideia de que "quem comunica não se trumbica". E então as pessoas tendem a repetir qualquer coisa que ouvem e assim a ideia é disseminada. Se for uma "opinião" política, ela chega na militância feito verdade eterna e tudo que destoa daquele discurso parece "coisa do outro lado" e com isso a comunicação e o diálogo cessam, os ouvidos se fecham e o bridão aperta.


Em palavras mais diretas, ousaria dizer que são todos uns idiotas. Muitas vezes idiotas por ingenuidade, mas ainda assim o são. Aqueles que puxam as rédeas da carroça cantam discursos louváveis, belos, para que sejam acolhidos pela emoção de suas éguas, para que eles próprios possam se vender como alguma espécie de messias. É pela emoção que a militância é incentivada a se sentir especial, a sentirem que estão fazendo algo de útil e, em regra, abraçam isto com o fervor desta paixão, preenchendo seus vazios pessoais com estas movimentações. São idiotas, não por desejarem o melhor para si e para o mundo, mas por permitirem ser controlados e acharem que terceirizar suas ações e que somente medidas coletivas hierarquizadas são necessárias para alterar a realidade de uma sociedade.


Vou utilizar um exemplo bem tosco, mas imaginem que o governo mais democrático do mundo fosse instaurado na Índia por um mandato de 4 anos, um país com uma desigualdade social abissal, estruturado em um sistema de castas e com tantos problemas que não cabem aqui neste texto levantar; vocês acham mesmo que o comportamento dos indivíduos, a mentalidade deles iria alterar genuinamente? Que os problemas iriam começar a desaparecerem após a existência de certas medidas governamentais? No máximo o que existiria seria o sufocamento das ideias atuais, mudando a aparência do comportamento, mas mantendo a velha casaca agasalhando a mente até chegar um novo tempo mais propício e poderem novamente se mostrar.


Lembremos que uma sociedade é constituída por indivíduos, é a unidade que se une para formar a coletividade. Por isso as mudanças mais importantes para um povo não decorre unicamente de cima para baixo, de quem governa para o governado, mas principalmente requer uma mudança de comportamento e de mentalidade dos próprios indivíduos, as verdadeiras mudanças ocorrem, nesta estrutura piramidal, de baixo para cima. Políticos são homens médios retirados da massa, se nenhum político presta, tenha a certeza de que isto é o reflexo de uma sociedade doente, uma sociedade que não sabe o que é o bem ou mal, o belo ou o feio, ou simplesmente o que é melhor para si mesmo.


Estas pessoas quando vão as ruas gritam com vozes secas, como o esguicho sonoro de alguém que sufoca em seu próprio vomito, ecoando sobre a essência da vida, sem forma, cor ou sequer importância. O tempo destrói tudo, disse alguém, e é verdade, ele esmaga tudo o que é vazio, conduzindo o zumbido à inexistência. Acho que agora os amantes da poesia que me leem, certamente já perceberam onde quero chegar. Sim, no inferno.


Here they receive

The supplication of a dead man’s hand

Under the twinkle of a fading star

Ter adjetivado tais pessoas como “idiotas” talvez tenha sido um erro, mas saibam que o fiz por pena, por ser algo que suaviza o que eles realmente são: são homens ocos, vazios de si mesmos que perambulam pela terra na esperança de se depararem com uma rosa multifoliada, com uma estrela perpétua e alcançarem a salvação. Estes são os suplícios desesperados destes seres. T.S. Eliot ao descrever os hollow men descreveu também o homem comum, medíocre e vazio ainda vivo. O inferno nós críamos em vida através da projeção das nossas próprias fraquezas e tenho a certeza de que se ela tivesse rosto, enxergaria de soslaio tais pessoas, com a face em rugas de tristeza, pois estariam vendo seus filhos

[…] not as lost

Violent souls, but only

As the hollow men

The stuffed men.


Estas pessoas, de qual lado político for, já deixaram de amar a si mesmo há muito tempo, desejam o melhor através do pior, jogam para outrem a responsabilidade de fazer a diferença, e não levantam um dedo sequer em prol da mudança, é como se a personare fechasse a boca e ressoasse o murmúrio do vazio silêncio de dentro de uma lágrima que salta ao chão e logo é pisoteada. Aquilo que mais importa na vida é atemporal, imparcial e belo, mesmo que muitas vezes doa sentir o seu diálogo na pele. Compreender e trazer isto para sua própria realidade, trará liberdade e paz para cada indivíduo.


Mas talvez o idiota seja somente eu, pois em um mundo fundado em dicotomias, a paz, o bom e o belo nunca irão existir, ou melhor dizendo, nunca serão buscadas por quase ninguém. Aquilo que é pacífico não deve surgir do caos, do choque das oposições, mas única e exclusivamente da vontade genuína de viver sua própria vida, pois dualidades não são opostos, mas sim duas cabeças de um único corpo que precisam do equilíbrio para viver em conjunto.


“Do conflito chega-se a outro conflito, ou poderei dizer contenda, caso não agrade a repetição da palavra que define a vagueza repetitória para onde o embate leva. Toda guerra conduz a outra e nisto, por Zeus, a história comprova” *



Tudo o que visa trazer equilíbrio através de uma tensão de corda, será sempre falho, seja agora ou em mil anos, pois esta força não é constante, mas apenas gera parca estaticidade para ambos os lados, é uma força paralisante que uma hora alguém com fraco semblante irá se cansar de gerar, trazendo à tona o triunfo do seu rival, a sua morte temporária e por fim o seu retorno em momentos futuros. Este foi o ciclo que criamos para viver, este foi o inferno que inventamos para nós, este foi o lugar sem forma ou cor que escolhemos para nos cegar e dançar uma ciranda infantil em torno de uma grande poça de sangue.


Here we go round a prickly pear

Prickly pear, prickly pear

Here we go round a prickly pear

Until 5 o’clock in the morning.


Infelizmente é isto que escolhem, infelizmente é assim que vivem tais pessoas, infelizmente é desta forma que tudo vai acabar para eles, como lágrimas que somem junto as gotas de chuva, todos serão esquecidos, esmagados pelo tempo.




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* https://www.anthrofilosofia.com/post/o-esc%C3%A1rnio-dos-hom%C3%BAnculos-victor-hugo-nic%C3%A9as-1

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