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  • Victor Hugo Nicéas

Gosto não é qualidade, Victor Hugo Nicéas


Amendoeira em flor, Vicent Van Gogh

Gosto não é qualidade. Pronunciar tais letras em palavras grudadas num papel pode parecer afronta para alguns, para aqueles que pregam pela relativização de tudo, que apregoam o limbo da existência como preenchível por qualquer criação lúdica que a mente nos pode fornecer para enganar, mas confesso, pecarei em um talvez excesso axiológico ao longo deste escrito, não por maldade de caráter que visa apontar o dedo e acusar, mas apenas para livrar-me do peso que é estar preso num mundo autodestrutivo, que elenca inseguranças inexistentes para louvar. E, para não desapontar a curiosidade daqueles que esguicham raiva em prol da existência de relações conflituosas, começarei: são tolos. Todos estes que veem afronta nas palavras iniciais, pois somente tolos as olhariam como tal.


As pessoas, em regra, não param para perceber que gosto não é sinônimo de qualidade. Ele é algo individual, subjetivo e egoísta por natureza. Todos nós gostamos de algo, seja bom ou ruim, é normal isso, mas não saber que essas coisas assim o são é que tende a ser o problema. É tudo uma questão de percepção, de se treinar para conseguir discernir o "joio do trigo". Aqueles que não conseguem perceber isso, muitas vezes acabam defendendo aquilo que simplesmente gostam sem qualquer compreensão, utilizando suas unhas e dentes, rosnando para outrem no intuito de defender a estagnação gerada pelo raso sentimento. É como se criássemos uma bolha ilusória dentro da própria ilusão, um "sub-véu" particular. Algo tolo, porém comum.


O tolismo é prazeroso. Qual tolo trocaria a sua venda saborosa para enxergar a realidade das coisas e dos seres? É gostoso gostar do agradável, daquilo que nos rouba a capacidade de expansão mental, que comprime o nosso raciocínio ao conteúdo de um pequeno maracujá vazio. O pior é que esta estupidez tem face e não se limita ao grupo falado, basta levantar-se agora de sua cadeira, sentir os joelhos roçarem uns nos outros durante a caminhada até o quarto, ir desgrudando levemente o queixo do pescoço e se enxergar em um espelho. Somos os expoentes máximos desta doutrina de relinche. Trocamos a liberdade natural pela prisão acimentada, abandonamos a vida simples em prol de uma construção humana sobre o que é ser um humano e, como consequência, esquecemos da qualidade, do que é ter uma qualidade na vida. Abstemo-nos disto e sofremos no íntimo.


Qualidade não é aquilo que faz bem à nossa mentalidade vulgar, desejosa de prazeres, mas sim o que nos nutre com decência e dignidade. Se pensarmos em arte seria aquilo que nutre a alma, se pensarmos em alimentos, o que nutre o corpo em benefícios. É comum nos agarrarmos ao gosto pela mera facilidade do prazer conhecido, temos medo de abandonar o que já conhecemos em prol do diferente. A não certeza do recebimento de algo melhor nos causa medo e espanto, melhor ser romântico, para ao passado retornar e então repetimos, repetimos os nossos erros e os dos nossos pais, caímos em ciclos históricos de equívocos que tanto dizemos odiar. Por exemplo, é comum adultos que, quando crianças, foram maltratados perpetuarem tal aprendizado para os seus próprios filhos, não necessariamente por sentir o prazer de também oprimir, mas porque se consideram um ser humano devidamente “formado”, “sem problemas” e, se assim se veem, significa que os maus-tratos d’outrora funcionaram e por isso são necessários para pôr em prática o seu ato de “amar”.


Sei que o exemplo acima pode soar um pouco extremo, mas as formas de nos prendermos a gostos vulgares são várias, podem ser das mais óbvias, como a escolha de uma comida, de um livro, de uma música... danosa à saúde, como a deturpação de um sentimento tão profundo, tudo por conta de uma histórica construção causadora do medo de mudar que encobre a verdade da própria vida. Vemos a matéria, mas não enxergamos sua essência e, como consequência, damos as costas a ela. É por conta disto que uso dessa linguagem limitada para afirmar a importância de tal compreensão, pois isto nos liberta do determinismo de pseudo escolhas e nos torna capazes de escolhermos o que queremos ser/fazer, afinando, ou não, os nossos sentidos à algo maior. Se queres ser um tolo? Ótimo! Delicias-te, mas ao menos sejais consciente disto, só não saberei dizer até quando irás conseguir dar as costas para aquilo que agora enxergas como verdadeiro, pois a qualidade quando conhecida, supera em muito a gostosura tateada.




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