- Victor Hugo Nicéas
O que é arte? Qual objetivo da arte? Victor Hugo Nicéas

O que é arte? Uma palavra com quatro letras que gera tantos debates mundo a fora. Longe de mim querer rotular o que é ou o que não é, viso aqui apenas chegar a uma única conclusão: o objetivo pelo qual a arte existe. Sei que a nossa contemporaneidade costuma nos bombardear com desinformações sobre a arte, seja através de opiniões infundadas ou produções artísticas vazias, tudo contribui para a diminuição do nosso aprendizado e compreensão do universo da arte.
Este cenário desinformativo é o que costumo dizer (apenas para chamar atenção) que contribui para o assassinato da arte. Pensem comigo: em um cenário justo, tudo na vida possui um motivo de ser, um médico deve ser médico para cuidar da saúde dos outros, um juiz pela justiça e assim por diante, mesmo que no fim recebam por isso. O objetivo principal do trabalho precisa ser respeitado. Porém, se o objetivo primordial que torna estas funções justas e necessárias é subvertido e a função da medicina passa a ser exercida por um vendedor, o que ocorre? Se um médico, como disse Sócrates, prescreve remédios que beneficiem a ele mesmo e não ao paciente, ou até mesmo se um magistrado visa somente a riqueza e o poder e não a justiça, o que possuiremos?
Há aqui uma clara subversão do intuito primordial e, como consequência, a injustiça prepondera. Esta mesma lógica deve ser aplicada a qualquer área da vida e principalmente à arte, pois um médico deve ser um artista da medicina, assim como um músico/pintor... deve ser um artista em sua área, sem subverter o objetivo principal, que é a sua própria arte. É óbvio que a arte, como bem lembra Ezra Pound, é uma forma de linguagem e como linguagem nós poderemos utilizar dela como quisermos, seja como brincadeira, terapia, protesto ou o que quer que seja, mas é importantíssimo não esquecermos que a arte possui sim um objetivo próprio, um objetivo não político, nem filosófico ou histórico, motivo no qual levou Schopenhauer a dizer que a “arte é uma flor nascida no caminho da vida que se desenvolve para suavizá-la”. Suavizá-la... O que a arte possui de tão forte para varrer assim as “dores do mundo”? Pois é, esse objetivo é a contemplação.
A arte, seja ela música, pintura, poesia tutti quanti, em seu melhor estado, foi feita para nos elevar, nos fazer contemplar e sentir na pele de forma poética e nada óbvia, nem vulgar, aquilo que ela deseja transmitir. É por isso que nos decepcionamos tanto quando nos deparamos com tantas obras superficiais e vazias nos dias de hoje, pois cada vez mais esquecemos deste objetivo primordial e produzimos coisas atrofiadas, que não visam transmitir sensações e, com isso, incapaz de se comunicar. Mas, você pode estar a se perguntar, no que isso verdadeiramente importa?
Para esse objetivo contemplativo ser alcançado, é necessário paciência e equilíbrio, paciência por parte do fabricador e um equilíbrio existente entre a nossa subjetividade com aquilo que é objetivo, do conteúdo com a forma. Pense comigo: Uma mulher ao engravidar passa algum tempo para tomar conhecimento de que uma outra vida nasce dentro de si. Após conhecer a existência do jovem intruso, a mãe o acolhe e diz: quero que nasça. Após este momento de decisão a vida expectável não nasce imediatamente. O filho permanece em desenvolvimento por um total de 9 meses até estar pronto para o mundo. Na arte não existe diferença.
A arte é um produto fruto da fecundação da nossa subjetividade com aquilo que é objetivo (a coisa em si), não existe arte sem técnica, nem existe artista sem uma obra externa. A arte, como diz Schopenhauer, deve vir da Ideia principal, mas assim que é conhecida pelo seu artista e concebida enquanto esboço não deve ser enxergada como se já nascesse pronta. A fase de maturação desse feto também precisa ser respeitada. Aquilo que nos é subjetivo é importante para dar alma ao nosso filho artístico, mas ele também existe enquanto corpo externo e por isso está submetido às regras físicas e históricas. Se a arte respeitar somente a subjetividade, estará fadada ao egoísmo individual e consequentemente a inexistência, a incompletude. Será como um ser humano comum, que age por egoísmo e não se importa com seu meio, com seus semelhantes.
Do outro lado, a arte que se vê tecnicamente perfeita, mas esquece de ter alma, de ser humana em sentido de unicidade, da mesma forma esquece de algo, dessa vez de si mesmo e se torna uma peça vazia, uma joia partida, um corpo deformado. Assim como na vida, é preciso saber equilibrar o subjetivo com o objeto representado, tendo paciência no caminho de aprendizado da balança. A arte é um objeto com alma que embora nasça dos seus pais, não os pertencem. Devemos saber educar os nossos filhos para que eles saibam se comunicar com o mundo sem precisar de muletas que o expliquem. O fruto da contemplação técnica cujo seu fim é em si mesmo, não deve visar apenas os louros ou questões externas. Quem não educa seu filho e se mostra como melhor dos pais, não é artista, apenas um alguém que tem ânsia por aparecer e acariciar seu próprio ego.
Por isso é importante lembrar que a arte é sempre ampla e lida com a representação de nossas subjetividades e se você considera a sua subjetividade algo importante, por que revesti-la com qualquer forma? Deixa-la de qualquer jeito? Sei que muita gente prega por uma anarquia da arte como forma de “revolta” ao sistema e ao mercado, mas esta é a pior forma de se revoltar. Se você não conhece como as engrenagens da máquina funcionam, você nunca fará diferença em nada que você fizer, vai apenas repetir a mesma coisa que outros fizeram ao longo da história. Você apenas se comportará como um rebelde sem causa, daqueles que moram sozinho e ainda fogem de casa.
Portanto, a arte é sim subjetiva e, como é óbvio, pode ser utilizada para diversos fins, mas ela não deve ser enxergada apenas como um meio superficial, pois ela tem a capacidade de ser mágica, de ser tudo e ao mesmo tempo nada. Arte não tem que ser política, filosófica, histórica ou o que quer que seja, antes de tudo ela precisa ser arte, precisa saber se comunicar, transmitir sentimentos e sensações. A razão nós deixamos para os acadêmicos, a arte precisa de poesia dentro dela. E quando digo isto não estou alegando que elementos externos não podem estar dentro da obra, abarcados em seu bojo, claro que podem e são extremamente importantes. Quer melhor exemplo do que “a Divina Comédia”, de Dante Alighieri? Uma obra cheia de críticas políticas e religiosas, mas que não se limita a isso, a poeticidade rítmica e imagética é algo fora do normal, são tão incríveis que as críticas ficam em segundo plano e apenas contribuem para que a obra ainda seja mais profunda. Isto acontece porque nós somos seres humanos e aquilo que está em nossa subjetividade será sempre impresso instintivamente em nossas criações, queira você ou não.
Por isso escrevo aqui hoje, não para ser um chato ou querer fazer parte de uma “polícia da arte”, acho isto algo igualmente vazio, para não dizer ridículo, mas apenas desejo lembrá-los que a arte é muito mais mágica do que suscitam certas pessoas, e certas obras, por aí. No momento que esquecermos disto, esqueceremos o quão incrível a vida pode ser.
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